E não é que depois do texto sobre a Venezuela, este blog reverberou por aí até chegar à autora de Venezuela es uma Telenovela (livro citado no post anterior)?
Professora da Universidade da Geórgia, Carolina estuda telenovelas sob a perspectiva dos estudos culturais, mantém o blog Telenovelas e tuita bastante no @caa2410. Muito simpaticamente, ela topou conversar sobre telenovelas e, claro, sobre Hugo Chávez.
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Óperas de Sabão: No seu livro Venezuela es una Telenovela você trata da relação entre a novela Cosita Rica e o referendo revogatório de 2004. Como se dá a relação atual entre a ficção televisiva e a política venezuelana? Houve alguma outra telenovela que explorou o novo contexto do país?
Carolina Acosta-Alzuru: Em março de 2005, sete meses após o último capítulo de Cosita Rica, entrou em vigor a “Ley de Responsabilidad Social en Radio y Televisión” (também conhecida pelo acrônimo “Ley Resorte”). Essa lei de conteúdo midiático, denunciada pela [ONG] Human Rights Watch por sufocar a liberdade de expressão, impôs severas penalidades aos veículos de comunicação que não estivessem condizentes com ela. Desde então, uma telenovela como Cosita Rica se tornou impossível na Venezuela…
Óperas de Sabão: A situação envolvendo Cosita Rica me pareceu semelhante ao caso da telenovela O Salvador da Pátria, exibida no Brasil no período próximo da eleição de 1989. Como pesquisadora do assunto, você chegou a conhecer algo dessa produção? Ou já tomou conhecimento da relação alegórica que se estabeleceu entre o então candidato Lula e o personagem principal?
Carolina Acosta-Alzuru: Não, infelizmente não conheço essa telenovela… Li e apreciei bastante o trabalho de estudiosos como Antônio La Pastina [pesquisador da Universidade do Texas que analisou a recepção da telenovela em áreas rurais do Brasil na tese The telenovela way of knowledge] e Mauro Porto [autor de Televisão e política no Brasil: a Rede Globo e as interpretações da audiência], que se ocuparam da intersecção entre política e telenovela no Brasil. Mas, nunca encontrei menções a O Salvador da Pátria em minhas leituras.
Óperas de Sabão: No Brasil não há uma tradição de novelas venezuelanas. A única emissora que exibe produções estrangeiras nos últimos anos é o SBT, famoso por apresentar e reapresentar tramas mexicanas. Não vimos, portanto, boas novelas como Cosita Rica ou a interessante trama colombiana Sin tetas no hay paraíso. Na sua opinião, quais seriam as telenovelas recentes mais interessantes e que você recomendaria aos brasileiros?
Carolina Acosta-Alzuru: Esta é uma pergunta difícil porque exige deixar de fora muitas produções importantes. Então, darei uma lista bem pequena, ressaltando que se trata, obviamente, de uma lista incompleta. Da Colômbia, Yo soy Betty, la fea, Café con aroma de mujer, ambas de Fernando Gaitán. Mais recentemente, Escobar, el patrón del mal, uma série biográfica sobre o traficante Pablo Escobar. Da Telemundo [canal a cabo em língua espanhola dos EUA], La Reina del Sur, uma adaptação do romance do escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte [no Brasil, conhecido pela série de livros As aventuras do Capitão Alatriste]. Da Venezuela, se o interesse recair sobre telenovelas realistas e criticamente engajadas na realidade sociocultural, devem ser consideradas as telenovelas escritas pelo autor de Cosita Rica, que venho estudando há mais de uma década: Leonardo Padrón. Mas, novamente, devo dizer que recomendaria muitas outras telenovelas e autores que me agradaram e que não são exibidas no Brasil.
Óperas de Sabão: Sabemos que as telenovelas brasileiras ganharam o mundo, mas conhecemos pouco dessa recepção. Para você, quais as produções brasileiras mais interessantes? Além das produções globais, você chegou a conhecer novelas feitas por outras emissoras?
Carolina Acosta-Alzuru: O Brasil tem excelentes autores de telenovelas! Infelizmente, desde que cheguei aos Estados Unidos não tenho sido exposta a produções brasileiras tanto quanto eu gostaria – e eu não falo nem entendo português o suficiente para assistir a algumas produções no YouTube ou na internet. Então, minhas novelas brasileiras favoritas remontam à época em que ainda vivia na Venezuela, e isso já faz um bom tempo. Algumas das que me lembro com carinho são Roque Santeiro, Ciranda de Pedra, A Escrava Isaura, A Sucessora, Vale Tudo. Como você pode perceber, todas são da Rede Globo, porque era dela que as emissoras venezuelanas na época compravam as telenovelas.
Óperas de Sabão: A grande imprensa brasileira não mostra um ponto de vista crítico do governo de Hugo Chávez. Sabemos pouco do contexto social e cultural do seu país sob esse governo, infelizmente. Eduardo Galeano disse certa vez que haveria uma “demonização de Chávez”. O que você pensa dessa opinião? E, por fim, como você vê o novo mandato de Hugo Chávez?
Carolina Acosta-Alzuru: Na semana passada, em 10 de janeiro, Hugo Chávez deveria ter dado início a seu quarto mandato como presidente. Ele é o presidente da Venezuela desde 1999. É idealizado e adorado por muitos que o veem como um “messias”, e demonizado e odiado por muitos outros que veem nele um líder autocrata e populista.
Minha opinião sobre seu mandato como presidente não é positiva. Ele tomou controle de todas as instituições governamentais. Assim, na Venezuela, o Legislativo e o Judiciário não são poderes independentes do poder Executivo. Não há freios e contrapesos. A economia do país não vai bem. Enquanto ocorre uma crise de energia na Venezuela, outros países, aliados de Chávez, recebem nosso petróleo de graça ou por preços muito baixos. Vozes da oposição têm sido silenciadas. Meios de comunicação com um discurso de oposição têm sido censurados e fechados. Assim, é evidente o efeito inibidor sobre os poucos meios que sobrevivem. Não menos importante é o fato de que ele dividiu o país em dois lados. Neste ambiente polarizado que tem alimentado, Chávez vive como um líder cujo apetite por poder é evidenciado em todos os discursos. Creio que o seu legado é ódio e cisão. E a lista de aspectos negativos poderia continuar…
O presidente Chávez está muito doente agora e eu espero verdadeiramente que ele possa superar o câncer. Também espero que o governo nos mantenha, os venezuelanos, mais bem (e honestamente) informados sobre seu estado de saúde, no lugar de informações manipuladas e da figura do presidente ausente usada para manter o poder sob o signo do inegável carisma de Chávez.
Veja também: Venezuela é uma telenovela e outros textos sobre cultura e tv.